sexta-feira, 1 de março de 2019

André Previn: a elegância de ser pop entre os clássicos

Acordei com a triste notícia da morte do maestro André Previn, personagem a quem devo grande parte de minha formação musical ao acompanhar seu programa semanal de música clássica, não me lembro se era Meet André Previn ou André Previn's Music Night, mas que aqui no Brasil foi exibido pela TV Cultura nos anos 80.
Homem de incrível versatilidade, transitava sem nenhum conflito pelos mais diferentes gêneros musicais, indo do clássico acadêmico ao popular refinado, passando com louvor pelo jazz e pela trilha sonora cinematográfica sem nunca perder o requinte de interpretações, arranjos e composições de primeiríssima qualidade. Um músico completo, como poucos no século XX.
Dotado de carisma incomum, apesar de seus ridículos óculos de aro grosso e seu cabelo de tartaruga, tinha uma verve dramática que o permitia ser, além de tudo, um ator competente, tendo participado de sketches cômicas para a televisão inglesa.
Judeu, com nome francês, era na verdade alemão, nascido em Berlim, e cedo imigrou com a família para os Estados Unidos em função da perseguição nazista, onde estudou e iniciou sua carreira como arranjador em Hollywood. De certa forma, esta origem e formação, múltipla e eclética, nos dá razão para seu talento tão diversificado.
Mesmo com toda a agenda atribulada do show business, Previn foi ainda diretor musical das Sinfônicas de Houston, Londres, Pittsburgh, Los Angeles e da Royal Symphony Orchestra.
Apesar de não conhecer bem seu lado popular, e nem suas incursões pelo jazz, presto minha singela homenagem indicando alguns de seus registros como maestro, de quem tenho o mais alto apreço.

Haydn: Symphonies 94 'Surprise', 96 'Miracle' & 104 'London'

Este é um disco que gosto muito, e que demonstra como Previn era capaz de conduzir clássicos com a mesma competência dos românticos e modernos. Estas são algumas das mais célebres e conhecidas sinfonias de Haydn, um compositor de pródiga invenção temática, que nestas obras explora a maturidade do desenvolvimento da forma-sonata. Previn reforça os contornos da arquitetura formal sem nunca trair a essência do estilo, o que mostra seu profundo respeito pelas formas clássicas.
Um disco surpreendente, tanto pela qualidade da interpretação, quanto pela honestidade de propósitos.


Messiaen: Turangalîla-Symphonie; Poulenc: Concerto Champêtre, Organ Concerto.

Na música moderna e contemporânea Previn foi um dos grande arautos. Ainda que tivesse preferência para obras consagradas como Carmina Burana, Rhapsody in Blue ou a obra orquestral de Rachmaninov, os clássicos do Século XX em suas mãos ganhavam não só notoriedade, mas popularidade e um intérprete refinado. No caso de Messiaen, pela complexidade da partitura, o desafio de uma leitura objetiva e clara é patente, e poucas vezes tive chance de ouvir esta obra de forma tão brilhante. Previn ainda não desaponta nos concertos de Poulenc, música bem mais digestiva que a de Messiaen, mas que ganha ares parnasianos e sobrevoa com facilidade o conflito entre o arcaísmo e a modernidade destas obras.

Korngold: The Sea Hawk, Captian Blood, The Prince & the Pauper, Elizabeth & Essex

Aqui Previn samba no que melhor fazia, trilha sonora cinematográfica. Neste gênero, foi maestro, arranjador e compositor, tendo ganhado Oscars e Grammys por tais trabalhos. Este disco mesmo foi laureado com o Grammy de melhor gravação na categoria crossover (rótulo questionável) em 2003. Korngold foi o pai de todos os compositores de música para cinema, sendo inspiração constante para mestres como John Williams e Jerry Goldsmith. De formação solidamente clássica, Korngold foi elogiado por Mahler e Richard Strauss na infância, e também acabou migrando para os EUA na ascenção do nazismo. As evidentes semelhanças tornam Previn um intérprete de autenticidade ímpar na obra de Korngold. Uma pérola.


Prokofiev: Romeo and Juliet

O ballet mais famoso de Prokofiev ganha aqui uma leitura épica, e, bem ao estilo de Previn, cinematográfica. Neste caso, faz uma grande diferença, aliando um romantismo tardio com uma verve dramática característica do século XX. É impressionante o controle que Previn faz dos tons e nuances, por vezes os mais díspares, dentro de uma mesma obra. Esta é, a despeito de outra gravações marcantes (Ozawa, por exemplo), a minha preferida.

Previn foi um maestro extremamente elegante, nunca foi exageradamente festejado e nem se deixou afetar em seu trabalho pela fama, e sempre tratou sua carreira com o maior respeito possível à entidade que lhe deu razão de vida: a música.

Um comentário:

  1. Estes discos podem ser ouvidos em:
    https://rabanetecomquiabo.blogspot.com/?view=magazine

    ResponderExcluir