sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Oitava de Mahler e o triunfo da música ao vivo

Dia 4 de outubro último, tive a oportunidade de ir à Sala São Paulo assistir a um evento de rara apresentação, que há muito ansiava por ver: a Oitava Sinfonia de Mahler ao vivo.
É uma obra cujo apelido, dado pelo editor por razões comerciais, é "Sinfonia dos Mil", e reza a lenda que em sua estréia o contingente de músicos instrumentais, solistas e coro somavam 1023 pessoas. Hoje, mesmo sendo executada em versões mais compactas ("Sinfonia dos 500", ou "dos 300", que foi o caso desta, etc..) ainda assim não é sempre que há verba e competência para apresentar uma peça de tal magnitude. Ainda mais no Brasil.
Desde que me mudei para Salto, no interior de SP, minhas perambulações pelas salas de concerto diminuíram significativamente, pois é fato que as produções culturais desta esfera só se viabilizam nos grandes centros, e por conta disso acabo por satisfazer minhas aspirações melômanas nas gravações em CD.
Eu, como mahleriano inveterado, conheço pelo menos 7 versões desta sinfonia (Solti, Gielen, Haitink, Bernstein, Abbado, Rattle e Tennstedt), e confesso que fiquei no mínimo curioso para saber como soaria com Rozhdestvensky. Como seriam seus andamentos? Sua dinâmica? A OSESP faria jus ao nome e à excelência neste desafio? Era um evento imperdível, e fiz questão de viajar apenas para poder vivenciar tal experiência.
Entretanto, qual não foi minha surpresa, quando dos primeiros e avassaladores acordes de mi bemol maior que iniciam a sinfonia, a análise e interpretação destes aspectos meramente tecnocratas passaram completamente ao plano do supérfluo, tal foi a impressão que a sonoridade da obra me causou logo na exposição do tema. Nunca, repito, nunca havia ouvido nada igual. O som de uma orquestra e coro com mais de 300 integrantes tocando na mais sublime harmonia em fortíssimo preencheu todos os espaços de matéria e espírito, todos os cantos ficaram plenos, me deixando completamente atônito, num êxtase como poucos. Não poderia ser comparado a nada, nenhuma gravação, por melhor que fosse em termos de interpretação, chega a sequer a poder competir com a emoção desta massa sonora ao vivo. Neste momento entendi o furor em torno desta obra, entendi por que Mahler a considerava sua melhor obra, e por que foi seu único triunfo em vida.
Entendi também por que toda a discussão acadêmica é vã, toda a crítica, análise cerebral, ou musicológica sobre ela parecia sumir, insignificante, frente ao monumento sonoro que se impunha, soberano, numa apresentação quase mística.
Sobre a interpretação do mito Rozhdestvensky e a OSESP? Já nem cabe mais falar, só pela gratidão que tenho por me terem proporcionado tal emoção.
Resumo da ópera: esta é definitivamente uma obra que, na mesma razão que os grande épicos do cinema foram feitos para se ver nas grandes telas das salas de projeção, também aqui estamos diante de uma obra cujo sentido só pode ser definitivamente apreciado numa sala de concerto. As gravações, mesmo as melhores balanceadas (tarefa das mais ingratas mesmo aos mais experientes técnicos), não podem fornecer senão uma ínfima parte, distante e vaga, do que é a Oitava Sinfonia de Mahler.
Se alguém teve oportunidade de assistir a um filme como 2001: uma odisséia no espaço na TV e no cinema, sabe do que estou falando.
Aproveito a oportunidade para agradecer minha ex-aluna e amiga Bela Pulfer, que gentilmente comprou meus ingressos antes que se esgotassem!
Abraços