segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

In Memoriam: Claudio Abbado (1933-2014)

Esta é uma das ocasiões em que o mundo da música não deve deixar passar o evento em branco. Na época em que Karajan e Bernstein morreram, a internet engatinhava de forma tão incipiente que nem se cogitava o princípio de home pages ou blogs pessoais. Hoje, com o cenário globalizado, Abbado deve ser, merecidamente, contemplado com um sem número de posts e comentários.

Bem, como melômano, não faço mais que meu dever em também postar minhas considerações. Afinal, não é todo dia que morre um Abbado.

E devo dizer que, entrementes sua brilhante carreira coroada com o posto mais importante da música ocidental, a titularidade da Filarmônica de Berlim, e ainda mais todo o legado musical deixado em gravações ontológicas com as consagradas London Symphony, Chicago Symphony e tantas outras, Abbado nunca foi meu maestro preferido, e também nunca entrou no rol dos meus top 10. Achava as leituras dele muito desiguais, os andamentos rápidos eram lentos e os andamentos lentos, rápidos; e, como sou mahleriano convicto, me descabelava toda a vez que ouvia essas desproporções que considerava deselegantes. Ademais, tirava da orquestra uma sonoridade estranha, em que se ouviam mais os cellos que os trombones num tutti fortíssimo.

Como nada é por acaso, meu sonho de adolescente era ver a melhor orquestra do mundo em ação, que, ainda naquela época, era justamente a Berliner Philharmoniker. Consagrada como a "orquestra de Karajan", sempre que ouvia outros maestros convidados subindo em seu pódio, ficava impressionado com a capacidade da orquestra em se moldar de acordo com a sonoridade de cada um. A mesma orquestra, na mesma obra, ouvida com um Mehta ou um Karajan, por exemplo, soava completamente diferente, e sempre tecnicamente perfeita. Isso é um mérito que poucas orquestras tem: elas podem sutilizar o timbre, moldando-o de acordo com as exigências do maestro. Para chegar nisso, é porque a técnica há muito foi superada.

A grande oportunidade chegou por vias bastante tortuosas e curiosas, mas vi-me, em 2000, com um ingresso na mão para assistir nada menos que a 9a. de Mahler com a Berliner Philharmoniker, no Theatro Municipal de São Paulo. Em pleno regozijo, entusiasmado pelo sonho a ser realizado, nem me preocupei com o fato de ser Abbado. Não me interessava o maestro, queria ver se aquele som das gravações era o som real daquele conjunto!

Assim, não fui esperando grande performance da regência, e, justamente, talvez por conta deste desprendimento, minha opinião acabou se curvando: foi a melhor performance que já tinha assistido em toda a minha vida. Abbado me surpreendeu de tal forma que fiquei estasiado, e nunca mais ouvi uma Nona tão bela. O Andante Comodo foi das profundezas da contemplação, de beleza estonteante. O scherzo foi pacato, porém cheio de vida, e o Rondo-Burleske, o mais eletrizante que já tinha ouvido. O Adagio final foi o que melhor traduziu as impressões de Bruno Walter: "a atmosfera de transfiguração alcançada pela singular transição entre a dor da despedida e a visão radiante do Paraíso".

Depois disso, continuei a não gostar das leituras de Abbado, mas comecei a respeitá-lo como um dos grandes maestros da história da Música.

Vá em Paz, Claudio Abbado

Abraços